html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> Tudo&Nada

Tudo&Nada

Retalhos de tudo...e de nada...

quarta-feira, novembro 03, 2004

Olho a lua que está cheia e laranja, hoje bebeu mais raios do que devia mas continua bonita como ela só, encoberta aqui e ali com nuvens esfumadas. Continuo o meu rumo a olhar para a calçada preocupada e apercebo-me que estou errada. E errante. Vagabundo pelas ruas adormecidas àquela hora morta do dia. Ruas estreitas e apertadas de casinhas baixas, acanhadas umas por cima das outras com janelinhas pequeninas abertas de par em par na tentativa de sugar os últimos raios de lua, as portas destoam deste quadro em miniatura pois são grandes e imponentes com a sua fechadura sólida onde só poderá entrar a chave que lhe pertence, alheia a roubos ou pontapés endiabrados. Aquela porta...Chama-me a até si e lá vou eu empurrada pela minha intuição ingénua de rapariga a querer ser mulher. Abre-se para mim, sem que eu tenha sequer a chave de ouro. Entro triunfante e deparo-me com uma espécie de escada em caracol, torta na postura, branca de figura. Atrás de mim ruge a porta que se fecha, parece mais agressiva agora que estou do lado de dentro. Avanço relutante até ao primeiro degrau que me repele qual campo de forças. Olho em volta buscando na escuridão daquele espaço algo que me sirva de referência e vislumbro no cimo das escadas uma luz piscante que me esgazeia. Hipnotizada insisto no primeiro degrau que me deixa pisá-lo e subo as escadas com esforço quase acrobaticamente para escapar à tortuosidade da sua disposição. À medida que vou subindo sinto as pernas a fraquejar, a pedir que desista, a insistir que nunca alcançarei o cimo. Não lhes ligo, não quero os seus conselhos só quero que me obedeçam e mais nada, para conselhos e para as guiar estou cá eu, dona de mim, dona do meu destino. Chego enfim ao topo onde a luz me aguarda queda, muda... Não há janelas aqui onde me encontro para poder fugir se quiser, nem portas para abrir este mundo submerso ao que está lá fora à espreita. Fico intrigada com este silêncio sepulcral que se apodera aos poucos de mim e ao qual mal consigo escapar a não ser por breves fracções de segundo quando oiço o leve piscar da luz que me olha, que me questiona, que me admira. Olho-a resplandecente...Arde, deixa arder, arde em mim, luz, não tenhas medo desta pequena humana frágil que não tem nada a não ser este corpo para te oferecer...Arde, deixa arder...Encaminha-me para o teu mundo iluminado onde os corpos são prisioneiros e onde podemos enfim dar azo à nossa plena liberdade. Domina-me agora porque te peço e não te vás que não mereço. No local onde antes serpenteavam as escadas está um enorme espelho rectangular. Vou até lá e vejo o reflexo de uns olhos loucos em busca de uma luz que não encontram, em busca da luz que lhes pertence, pois cada par de olhos possui uma luz distinta. Atrás, a luz pisca e eu agarro-a com todas as minhas forças. Desfaz-se. Desfaz-se em pó por entre os meus dedos magros. Não era a minha luz. Pensei que fosse mas afinal não era. Afundo-me naquela escuridão que me cega, sem janelas nem escadas por onde desaparecer de uma vez por todas. Fiquei prisioneira deste lugar medonho sem a minha luz, num labirinto de noite e silêncio que me puxa cada vez mais para a escuridão. Arrasto-me para perto do espelho e sento-me de costas viradas. Reparo agora que o espaço é exíguo com o tecto baixo, não sei como não bati lá com a cabeça (talvez se tivesse batido as minhas ideias fossem agora mais claras...). Deixo-me ficar ali por um tempo, não consigo perceber ao certo o passar dos minutos mas sei que foi um bom tempo. Já não tenho luz, mesmo não sendo a minha, já não tenho escadas mesmo estreitas, já não tenho janelas mesmo que pequeninas, só tenho paredes, silêncio, escuridão...e um espelho.