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Tudo&Nada

Retalhos de tudo...e de nada...

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

(continuation, day 9/1)

Ficas assim com a rosa nas mãos. Uma hora? Duas? Talvez mais. Precisas de saborear aquele instante, sabes bem o quanto significa. Voltaste.
Lá fora a noite cai, imperatriz do silêncio. Estende os seus braços pelas ruas mais pequenas e deixa-se iluminar nas grandes avenidas, com a condição de haver sempre recantos escuros onde ela possa brincar com quem passa, no seu jogo de sombras, qual sedução aterrorizante.
Cá dentro estás perdida, perdida no aroma doce da rosa que ainda não largaste, perdida num mundo que nunca foi teu (nem pode sê-lo, não merece a tua pureza), perdida na música que pões a tocar e te arrepia, perdida nesta casa imensa que range as tábuas de madeira semipodre à passagem da tua leveza, perdida, uma vez mais, naqueles olhos grandes de que até a noite tem medo.
“Lost in this world I get lost in your eyes so when the lights go down am I the only one”…
Vagueias pelo corredor nu, apoiando as tuas mãos finas nas paredes, corpo há muito morto. Frio. Chegas à casa de banho onde uma banheira branca de pés te espera, ao fundo da divisão, em cima de um pequeno estrado de madeira velha. Ao lado, um pequeno banco, também ele de madeira, segura um copo alto e uma garrafa de vinho tinto. Despejas a garrafa no copo, quase gota a gota, enquanto desnudas a rosa branca (não é um malmequer…). As pétalas vão sendo derramadas à medida que a banheira se enche de àgua quente e fria e tu te olhas ao espelho. Espelho enorme, esse que tens pendurado na parede, “Consigo ver-me toda, sem a mentira dos pedaços”, dizias tu. Mas tu estás aos pedaços… Olhas aquele reflexo perdido no grande espelho da vida, com um desprezo que não te conheço, com uma mágoa de coisas deixadas irremediavelmente por fazer, com um olhar seco sem nada a interpretar. No que te tornaste? Nem quero saber.

Despes o vestido que carregas como um fardo, escorrega suavemente pelo teu corpo de gueixa, pela tua pele macia, tão branca, caindo a teus pés como tantos homens o fizeram. Os teus cabelos rebeldes escorrem pelos teus ombros, desenhando traços a negro nas tuas costas, ao fundo destas um sinal. O teu sinal. Os teus braços compridos desmaiam ao longo da tua figura de deusa na Terra, as tuas mãos, sempre frias, desabituaram-se há muito de enxugar lágrimas, os teus seios, desiguais na sua perfeição, foram pintados numa noite ao luar, daquelas noites em que ficamos sem fôlego a olhar as estrelas que teimam em não cair, as tuas pernas firmes, decididas, não concedem um passo em falso e os teus olhos de um azul gélido passeiam na intimidade alheia sem pedir licença.

Caminhas até à banheira, que te aguarda ansiosa por uns momentos de prazer, pegas no copo e no que restou da rosa e mergulhas, saboreando cada gota de água que te adocica a pele, sempre tão amarga.

(to be continued)


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