Esse teu olhar intriga-me. Frio. Desumano. Intemporal. Revistas-me de alto a baixo e censuras cada gesto meu. A cada passo que dou sinto a tua presença sombria nas minhas costas e invade-me um frio perturbador que gela todas as minhas acções. Porque me olhas assim? Porque questionas tudo o que faço?

A tua boca pequenina pintada a vermelho, os teus olhos esbugalhados, o teu narizinho arrebitado jazem na tua cara miúda como pétalas de rosa jogadas ao acaso pela janela, num dia de vento. Mas há uma diferença, em ti nada foi deixado ao acaso, tudo é perfeito, demasiado perfeito. E é por isso que me assustas, sempre tive medo da perfeição…E é por causa desse medo que não consigo esconder o meu olhar aterrorizado, além disso, o medo tem um cheiro bastante forte, muito característico, como aliás todos os sentimentos realmente verdadeiros. Sim, os sentimentos têm cheiro e embriagam os sentidos e tu sabes disso.
És cruel. Brincas assim com os meus sentimentos e ainda esboças um sorrisinho irritante. Apetecia-me atirar-te contra a parede e ver-te ao pedaços sabias? Apetecia-me arrancar os fios loiros do teu cabelo, um a um, l-e-n-t-a-m-e-n-t-e. A tua sorte é a minha desgraça (normalmente é assim, não pode haver duas pessoas com sorte ao mesmo tempo…).

Não importa, não passas de uma prisioneira. (E eu também…).

Tu, prisioneira do meu quarto. Eu, prisioneira do teu olhar. E é a isso que estás condenada, eternamente sentada na cadeira de palha, porque eu não tenho coragem de te tocar e tu não te podes ir embora.

Odeio bonecas de porcelana.