Noite de Saudade
A noite vem poisando devagar
Sobre a Terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor, que é cheia de tortura...
E eu oiço a noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que contenho!
Saudade qe eu sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!...Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!
Florbela Espanca, Sonetos
Foi uma noite destas que passei ontem...e lembrei-me de falar sobre ela...
Parece que a Noite personifica todos os nossos medos...o medo de ficar só na escuridão, o abandono,a saudade que sentimos de alguém, aquele sentimento de vazio que se sente mesmo antes de adormecer e depois de percorrer em pensamento o dia que se passou, o que se fez, o que se podia ter feito...tudo! Podíamos dar forma à noite...Seria uma bruxa? Ou uma fada? Uma bruxa...é escura e feia, traz-nos as lembranças...aquelas lembranças que tentamos esquecer durante o dia mas que de noite nos assaltam, nos roubam o pensamento, nos transportam uma vez mais para aquele momento saudoso que tanto queremos esquecer...Mas também pode ser uma fada irradiada pela ténue luz da lua, pelos milhares de pontinhos reluzentes que piscam os olhos para nós apesar da distância...Uma fada que nos aconselha sobre o que fazer perante o problema que estamos fartos de pensar e repensar e trepensar se for possível tal palavra...Porém...será que a fada não é um mero disfarce da bruxa? Uma mera armadilha para cairmos na escuridão e ao despertar metemos os pés pelas mãos aconselhados por aquela falsa noite amiga? Também...há tantos falsos amigos por aí que mais um menos um não há-de fazer diferença...E é assim que tudo se resume a nada...
Mas...e a noite?
Porque têm as crianças medo do escuro da noite?Será que têm medo de acordar e ver que não está lá ninguém para ampará-las?Será que têm medo de descobrir que estão sozinhas?Bom na verdade...todos nós estamos sozinhos...sempre!Em tudo!Quando pensas fá-lo sozinho, quando sentes estás só, quando tens de tomar aquela importante decisão estás sem ninguém. É verdade que te podem ajudar...mas será que essa ajuda é sempre benéfica?Não será melhor fazer tudo sozinho?Assim se algo correr mal a culpa será só nossa! E arcamos com as consequências sós...E apesar de haver pessoas para lá da tua janela...E apesar do mundo estar semeado de gente...E apesar de teres amigos e pessoas de quem gostas e que gostam de ti...E apesar de nunca estares só...A verdade é que não somos mais que solitários no meio daquele mar de multidão...A verdade é que estou só...em tudo...SÓnia...estranha coincidência (?).
E a vida do Homem é essa noite...Sempre a mesma que o prende ao dia, uma rotina na qual nunca nada de especial parece acontecer e quando surge passa ao lado e só nos lembramos quando acabou, quando puf! Se desfez como um fio de fumo a voar da chaminé daqueles desenhos da primária onde está a casa perfeita, o céu perfeito, o sol perfeito, onde tudo é perfeito...não é que o seja o desenho mas decerto será a imaginação daquele que o fez...Só nos lembramos quando de repente passou por nós e nós, nós, não demos importância...Quando de repente olhamos para trás e nos arrependemos de não ter feito aquela ou aqueloutra coisa...Quando de repente ficamos sozinhos, sem ninguém...Quando de repente tudo o que foi já não é e tudo o que é nunca foi...E quando, de repente, não mais que de repente, fica-se suspensa do mundo...só no teu mundo...só na tua noite...só em ti...só...
