html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> Tudo&Nada: 11/01/2004 - 12/01/2004

Tudo&Nada

Retalhos de tudo...e de nada...

domingo, novembro 21, 2004

Just leave me here, alone in the dark and don't ever ask what i'm feeling now...

terça-feira, novembro 16, 2004

Percorria o caminho que faço todos os dias quando venho da escola para casa mas hoje a noite tinha já caído e, no lusco-fusco, era difícil aperceber-me do que se passava ao meu lado direito. Montes de terra e ervas daninhas erguiam-se monstruosos tropeçando sobre mim num irremediável ruído de carros e motas e camiões e camionetas e lambretas e carrinhos e carrões que passavam estressados sobre a ponte que ficara para trás. Absorta na minha música não tinha reparado que algo se mexia por entre as folhas de uma qualquer árvore que sobrevivera aos dias de sol, e não, não era o vento que perdera a força, de tanto assobiar o dia inteiro por entre as saias e os cabelos das rapariguinhas.
Prossegui o meu caminho em direcção ao fim da trilha pavimentada que se bifurcava, ao fundo, em dois pedaços de terra batida atravessados ao meio por um molhe de ervas mal aparadas de cor esverdeada e pontas secas; segui pela direita olhando à minha volta, como sempre faço assim que chego a algum lugar diferente do que acabo de passar, e vejo camuflado nos montes, nas ervas, nas folhas, um vulto masculino agachado remexendo na terra com um graveto. O meu coração congela e as minhas pernas não me obedecem. Quero correr dali para fora o mais rapidamente possível e, no entanto, fico imóvel no silêncio daquele lugarzinho afastado de tudo em redor. Reconheço aqueles cabelos revoltos a milhas, podiam dar-me mil cabelos revoltos para eu observar mas aqueles destacar-se-iam sempre, sempre! Dou um passo em direcção ao vulto, ainda não tenho o total controle do meu corpo, quero voltar para trás e só caminho cada vez mais em frente. Escuto uma melodia vinda de um calor de voz quente, a minha melodia! Estou bastante perturbada com o que acaba de me acontecer...pensei...pensei que nunca mais o veria...E agora de repente, no fim de um dia normal como tantos outros, sem quaisquer indícios de uma surpresa, eis que me aparece, camuflado nas ervas!
De olhos esbugalhados encontro-me já atrás da sua sombra e suspiro. Está com aquelas calças de ganga rasgadas no bolso de trás, com os farrapos a saírem por fora, o seu casaco preto de anos e anos parece mais gasto que o normal e os ténis, sujos de terra, contam as histórias por que já passaram sem se aperceberem da minha presença intrusa. Toco-lhe no ombro levemente e vejo a sua face a virar-se lenta e cansada para mim. Que lindos olhos tinhas e como a sua vivacidade se perdeu! Estão de um castanho gasto, triste e apagado, sem aquele olhar límpido e sorridente que tinhas sempre. Levantas-te ligeiramente curvado para me beijares a bochecha gélida, como sempre fazias aquecendo num rápido todo o meu corpo, hoje, nem me consegues corar. Sinto o teu hálito de cerveja que me enjoa e vejo as tuas mãos brancas, os teus dedos compridos de pianista, a tentarem tocar-me nos cabelos revoltos da aragem que sopra agora mais forte. Afasto-me e olho em volta na tentativa de que apareça alguém para me salvar da tua presença. Ninguém aparece e eu sozinha não tenho coragem de te deixar assim só, a remexer a terra com um graveto...Reparo no que escreveste mas as letras estão num tal turbilhão que nem as consigo descodificar. Olhas para mim sem me ver. Tenho até as minha dúvidas quanto à tua memória...Será que ela guardou os nossos momentos? Ou de tão enegrecida pelo fumo se esqueceu até de algo tão marcante? Marcante para mim pelo menos...Para ti, nem sei já o que foi marcante. Tomaste a tua decisão sem me consultares e ofereceste-te assim...facilmente, irremediavelmente. Olhando para ti tenho a sensação errónea de que te poderia ter estendido a mão; da maneira como estávamos se te tivesse estendido teria embrenhado contigo nesse mundo sem saída, sem lugar para mim. E isso eu não suportaria. Nem tu.Viro-te então as costas e corro, corro até não poder mais, sem olhar para trás pois sinto os teus olhos cravejados nas minhas costas e encará-los seria atormentar-me novamente. Porque é que escolheste logo o fim do meu caminho para estares assim escrevinhando seja lá o que for? Não podias simplesmente ter desaparecido ao rumor da minha passagem? Tu sabes que a tua presença é para mim um espinho encravado e também sabes que não o posso tirar porque se o tiro, sangrará para sempre.

quinta-feira, novembro 04, 2004

Quando descobrimos que estamos sós, verdadeiramente sozinhos, o mais frequente é entrarmos em pânico. Atiramo-nos para o extremo oposto e misturamo-nos em grupos- clubes, equipas, sociedades, categorias. De repente começamos a vestir-nos exactamente como os outros: é a melhor maneira de ser invisível. O modo como se cosem os remendos nas blue jeans torna-se fundamental. Se não sabemos fazer isso, então está-se de fora. E deve estar-se dentro. Esta frase é gira, não acham? Estar dentro. Dentro de quê? Do grupo. Com os outros. Todos juntos. Salvos pelo número. Eu não sou eu. Sou um ás do basquetebol. Um rapaz popular. Sou o amigo dos meus amigos. Sou um blusão negro numa Honda. Faço parte. Sou um jovem. Não podem ver-me, só conseguem ver-nos. Estamos safos.
Le Guin, U.K. Tão Longe de Sítio Nenhum

quarta-feira, novembro 03, 2004

Olho a lua que está cheia e laranja, hoje bebeu mais raios do que devia mas continua bonita como ela só, encoberta aqui e ali com nuvens esfumadas. Continuo o meu rumo a olhar para a calçada preocupada e apercebo-me que estou errada. E errante. Vagabundo pelas ruas adormecidas àquela hora morta do dia. Ruas estreitas e apertadas de casinhas baixas, acanhadas umas por cima das outras com janelinhas pequeninas abertas de par em par na tentativa de sugar os últimos raios de lua, as portas destoam deste quadro em miniatura pois são grandes e imponentes com a sua fechadura sólida onde só poderá entrar a chave que lhe pertence, alheia a roubos ou pontapés endiabrados. Aquela porta...Chama-me a até si e lá vou eu empurrada pela minha intuição ingénua de rapariga a querer ser mulher. Abre-se para mim, sem que eu tenha sequer a chave de ouro. Entro triunfante e deparo-me com uma espécie de escada em caracol, torta na postura, branca de figura. Atrás de mim ruge a porta que se fecha, parece mais agressiva agora que estou do lado de dentro. Avanço relutante até ao primeiro degrau que me repele qual campo de forças. Olho em volta buscando na escuridão daquele espaço algo que me sirva de referência e vislumbro no cimo das escadas uma luz piscante que me esgazeia. Hipnotizada insisto no primeiro degrau que me deixa pisá-lo e subo as escadas com esforço quase acrobaticamente para escapar à tortuosidade da sua disposição. À medida que vou subindo sinto as pernas a fraquejar, a pedir que desista, a insistir que nunca alcançarei o cimo. Não lhes ligo, não quero os seus conselhos só quero que me obedeçam e mais nada, para conselhos e para as guiar estou cá eu, dona de mim, dona do meu destino. Chego enfim ao topo onde a luz me aguarda queda, muda... Não há janelas aqui onde me encontro para poder fugir se quiser, nem portas para abrir este mundo submerso ao que está lá fora à espreita. Fico intrigada com este silêncio sepulcral que se apodera aos poucos de mim e ao qual mal consigo escapar a não ser por breves fracções de segundo quando oiço o leve piscar da luz que me olha, que me questiona, que me admira. Olho-a resplandecente...Arde, deixa arder, arde em mim, luz, não tenhas medo desta pequena humana frágil que não tem nada a não ser este corpo para te oferecer...Arde, deixa arder...Encaminha-me para o teu mundo iluminado onde os corpos são prisioneiros e onde podemos enfim dar azo à nossa plena liberdade. Domina-me agora porque te peço e não te vás que não mereço. No local onde antes serpenteavam as escadas está um enorme espelho rectangular. Vou até lá e vejo o reflexo de uns olhos loucos em busca de uma luz que não encontram, em busca da luz que lhes pertence, pois cada par de olhos possui uma luz distinta. Atrás, a luz pisca e eu agarro-a com todas as minhas forças. Desfaz-se. Desfaz-se em pó por entre os meus dedos magros. Não era a minha luz. Pensei que fosse mas afinal não era. Afundo-me naquela escuridão que me cega, sem janelas nem escadas por onde desaparecer de uma vez por todas. Fiquei prisioneira deste lugar medonho sem a minha luz, num labirinto de noite e silêncio que me puxa cada vez mais para a escuridão. Arrasto-me para perto do espelho e sento-me de costas viradas. Reparo agora que o espaço é exíguo com o tecto baixo, não sei como não bati lá com a cabeça (talvez se tivesse batido as minhas ideias fossem agora mais claras...). Deixo-me ficar ali por um tempo, não consigo perceber ao certo o passar dos minutos mas sei que foi um bom tempo. Já não tenho luz, mesmo não sendo a minha, já não tenho escadas mesmo estreitas, já não tenho janelas mesmo que pequeninas, só tenho paredes, silêncio, escuridão...e um espelho.